As Dificuldades Alimentares na infância caracterizam-se por alterações do comportamento alimentar que variam desde recusa alimentar, ingestão seletiva, diminuição da quantidade de alimentos ingerida, a aversão a alimentos. Na maioria dos casos, as dificuldades alimentares manifestam-se até aos 6 anos de idade e podem apresentar-se como um problema isolado e transitório. Contudo, o subdiagnóstico e/ou a ausência de intervenção apropriada são preditores da sua persistência durante a infância e, eventualmente, ao longo da adolescência e vida adulta.

Esta revisão, tem como principal objetivo, a caracterização das Dificuldades Alimentares de causa não-orgânica mais frequentes na infância, designadamente Picky Eating, Neofobia Alimentar e Seletividade Alimentar, e a compreensão dos seus determinantes. Pretende-se também alertar para importância da sua identificação precoce e da implementação de critérios de classificação, diagnóstico e tratamento. Sucintamente, descreve-se o impacto das Dificuldades Alimentares na saúde da criança, e apresentam-se algumas propostas de intervenção nutricional. Para o efeito, realizou-se uma revisão da literatura que pretendeu identificar artigos publicados em inglês e português através das bases de dados MEDLINE (Pubmed), Elsevier e Google Scholar. Foram selecionados 23 artigos, publicados entre 2008 e 2024.

Apesar da inexistência de critérios de classificação e diagnóstico bem definidos, as manifestações clínicas das três dificuldades alimentares mais frequentes na infância são distintas. Enquanto a neofobia alimentar se caracteriza pela rejeição alimentos novos ou desconhecidos, o picky eating e a seletividade alimentar caracterizam-se pela limitação da aceitação e ingestão de alimentos, de forma mais severa e persistente na seletividade alimentar. Porém, todas elas cursam com compromisso na aquisição de hábitos alimentares nas crianças, impactando a qualidade da alimentação e, por conseguinte, a sua saúde a curto e a longo prazos.

Conclui-se que, devido ao impacto das Dificuldades Alimentares na saúde infantil, é essencial estabelecer critérios de diagnóstico claros. A sensibilização dos profissionais de saúde para medidas preventivas, como o aleitamento humano e a educação alimentar desde idades precoces, contribui para um desenvolvimento saudável e uma relação equilibrada com a alimentação. Dada a complexidade do tema, é necessária mais investigação que permita a definição de estratégias de intervenção nutricional.

Introdução: O conhecimento dos determinantes do comportamento alimentar permite elaborar estratégias que previnam e tratem os seus desequilíbrios. A má evolução ponderal é o reflexo dos casos mais graves de perturbações alimentares em idade pediátrica.

Objetivos: Caracterizar o comportamento alimentar de crianças com má evolução ponderal e sua história familiar de má evolução ponderal ou baixo peso. Relacionar o comportamento alimentar de crianças com má evolução ponderal e o comportamento alimentar dos pais/cuidadores. Comparar crianças com e sem irmãos mais velhos, relativamente ao comportamento alimentar e medidas antropométricas.

Metodologia: Neste estudo transversal foi usado o comportamento alimentar das crianças foi avaliado através do Questionário do Comportamento Alimentar da Criança. Para cada criança, um pai/cuidador respondeu ao Questionário Holandês do Comportamento Alimentar. Dados clínicos e familiares foram recolhidos durante a consulta de Nutrição Pediátrica.

Resultados: Avaliou-se uma amostra de 33 crianças (3 aos 13 anos). As crianças apresentavam pontuações mais elevadas nas subescalas relacionadas com o evitamento da comida (Sub-ingestão emocional, Seletividade alimentar, Ingestão lenta e Resposta à saciedade) e mais baixas nas relacionadas com a atração pela comida (Prazer em comer, Resposta à comida, Sobre-ingestão emocional, Desejo de beber). Um terço apresentava história familiar de baixo peso ou má evolução ponderal. A resposta à comida estava positivamente associada com a ingestão externa de pais/cuidadores (R = 0,385; p = 0,027), e a sobre-ingestão emocional com a restrição dos pais/cuidadores (R = 0,485; p = 0,004). As crianças com irmãos mais velhos tinham maior prazer em comer (média = 2,59; dp = 0,93 vs. 2,00; dp = 0,60; p = 0,046) e menor seletividade alimentar (média = 3,09; dp = 0,91 vs. 3,77; dp = 0,55; p = 0,017), comparando com as que não tinham irmãos mais velhos. Apresentavam também percentis de peso inferiores (n = 17; mediana = 16,5 vs. 1,0; p = 0,023).

Conclusões: A história familiar poderá ser relevante, uma vez que um terço das crianças com má evolução ponderal tinha relatos de má evolução ponderal e/ou baixo peso na família. Ter irmãos mais velhos foi associado a comportamentos alimentares mais favoráveis, apesar de não se refletir diretamente no seu estado ponderal. Pais com maior ingestão externa identificam os filhos como tendo maior resposta à comida e pais com maior restrição alimentar identificam os seus filhos como tendo maior ingestão alimentar mediada por emoções.

 

Introdução: A auto-eficácia refere-se às crenças na capacidade de organizar e implementar planos de acção necessários para alcançar determinado resultado e à sensação de controlo sobre os comportamentos e ambiente. Apesar de este constructo ter algum grau de generalização quando consideradas tarefas ou comportamentos relacionados, como no caso do comportamento alimentar, apenas a Escala de Auto-Eficácia Alimentar Global avalia aspetos gerais da auto-eficácia alimentar. Este instrumento mostrou boas propriedades psicométricas em estudantes portugueses do ensino superior.

Objetivos: Estudar as propriedades psicométricas da Escala de Auto-Eficácia Alimentar Global em mulheres em tratamento de excesso de peso e estudar a relação da auto-eficácia alimentar com a idade, escolaridade e Índice de Massa Corporal.

Metodologia: Foi avaliada uma amostra de 63 mulheres acompanhadas em consultas de nutrição para tratamento de excesso de peso: idade média de 40 anos (DP = 11), escolaridade média de 9 anos (DP = 4) e Índice de Massa Corporal médio de 36,4 Kg/m2 (DP = 7,0).

Resultados: Tal como no estudo original em estudantes do ensino superior, a escala apresentou boa fiabilidade (α = 0,864) e uma estrutura unifatorial, com o fator extraído a explicar 67,4% da variância total. As associações com outros instrumentos revelaram boa validade convergente e discriminante. A pontuação na Escala de Auto-Eficácia Alimentar Global não teve correlação significativa com a idade (r = -0,004, p = 0,973), a escolaridade (r = -0,223, p = 0,090) ou o Índice de Massa Corporal (r = -0,164, p = 0,215).

Conclusões: Os resultados deste estudo indicam que a Escala de Auto-Eficácia Alimentar Global apresenta boas propriedades psicométricas em mulheres em tratamento de excesso de peso e que este instrumento parece ser adequado para uso em contextos clínicos.

 

Introdução: A dificuldade na manutenção do peso perdido e consequente variação cíclica ponderal está relacionada com o comportamento alimentar. Ao contrário da restrição alimentar, a alimentação intuitiva e consciente e a autoeficácia alimentar parecem favorecer atitudes alimentares adaptativas e favoráveis à manutenção do peso.

Objetivos: Relacionar dimensões do comportamento alimentar (controlo rígido e flexível, alimentação intuitiva, alimentação consciente e autoeficácia alimentar) com a variação ponderal.

Metodologia: Estudou-se uma amostra de conveniência de 252 adultos portugueses (71,8% sexo feminino) com idade média de 37 anos (DP = 12) e média do IMC de 24,5 kg/m2 (DP = 4,6). Os dados antropométricos (altura, peso atual e variação de peso no último ano) foram autorelatados. A variação de peso foi classificada em: “peso estável”, “perda de peso”, “ganho de peso” e “peso cíclico”. Para o comportamento alimentar aplicaram-se as Sub-Escalas de Controlo Flexível e Rígido do Comportamento Alimentar, a Escala de Alimentação Intuitiva, o Questionário de Alimentação Consciente e a Escala de Auto-Eficácia Alimentar Global.

Resultados: Quer o controlo rígido quer o flexível foram mais elevados em mulheres com variação ponderal cíclica. Por outro lado, e para ambos os sexos, a pontuação em algumas subescalas da alimentação intuitiva foi superior nos participantes com “peso estável” quando comparados com os do grupo com “ganho de peso”. No sexo masculino, os grupos “ganho de peso” e “peso cíclico” tinham um nível inferior de alimentação intuitiva do que o grupo com “peso estável”. Verifcou-se maior autoeficácia alimentar no grupo com “perda de peso” comparativamente ao grupo com “ganho de peso”.

Conclusões: Pesquisas longitudinais podem esclarecer e aprofundar a direção das relações encontradas. Todavia, esta pesquisa salienta a implicação de estratégias comportamentais baseadas nos princípios estudados que visem a gestão do peso.